Numa certa cidade de um certo país se deu um inusitado
fenômeno.
Algo que veio do céu, não se sabe de onde, caiu exatamente no
marco zero daquela cidade, com incrível precisão.
Tal foi a velocidade e a violência do impacto que fixou-se no
chão de cimento grosso, como se tivesse nascido ali.
As pessoas passavam de lá pra cá pisando sobre “aquilo” sem
qualquer percepção ou conhecimento no que realmente estavam pisando.
“Aquilo” tinha uma cor prata-luminosa e um poder extraordinário
de manchar o que nele tocasse. Esses também quando tocados em outros lugares
também transmitiam a mesma mancha, como um carimbo a carimbar continuamente sem
perder a tinta.
Desta maneira “aquilo” acabava sendo levado para muitos lugares.
Em pouco tempo os clones de “aquilo” já estavam presentes nos
mais variados tipos de objetos, como na pele das pessoas.
Aquela mancha passou a pertencer ao cenário daquela cidade e
outras mais, com a mesma cor e forma do “aquilo” original, localizado no ponto
zero.
A cor e o brilho do “aquilo” só era perceptível no escuro,
então a noite as cidades pareciam repletas de vaga-lumes.
No início as pessoas achavam “aquilo” uma graça por ser brilhante,
porem rapidamente virou um pavor porque as carimbadas não saiam com nenhum tipo
de tira manchas.
Em menos de dois meses os jornais, revistas e canais de TV passaram
a explorar o assunto de tal forma que “aquilo” já tinha repercussão
internacional.
Não se falava em outra coisa.
Empresas interessadas no poder daquela tinta, organizações
científicas, empresas químicas, e o próprio governo; passaram a pesquisar as
propriedades daquele material desconhecido.
Foi montado um forte esquema para que “aquilo” não se
espalhasse para outros locais. As pessoas só podiam deixar as regiões que moravam
após minuciosa revista em câmara escura.
Por mais que as autoridades tentassem conter aquela
contaminação, “aquilo” estava fadado a marcar o mundo.
Para uns “aquilo” representava possibilidades de rentáveis
negócios, para os já marcados uma perdição.
Como desgraça sempre vem acompanhada de mais desgraça o pior
ainda estava por vir. Pouco mais de sessenta dias da queda do insólito
material, tudo que era orgânico e foi carimbado por “aquilo” passou a ganhar um
cheiro desagradável.
No início um pequeno odor, que as pessoas não sabiam distinguir
do que era e nem de onde vinha.
Da mesma maneira que “aquilo” se propagou com imensa rapidez,
com o odor não foi nada diferente. Com setenta dias a evolução do odor já tinha
ganho o status de catinga horrorosa.
O cheiro já havia se alastrado para diversas cidades.
Afinal de contas, de onde veio “aquilo”, o que era “aquilo”, como
se propagava, como conter e dar um fim em “aquilo”?
Essas eram as perguntas que todos faziam.
A falta de uma explicação estava levando a todos ao desespero,
pois com o passar dos dias, a catinga cada vez mais aumentava.
Muitas soluções foram pensadas, desenvolvidas e rejeitadas.
Uma das primeiras veio das indústrias químicas e de
cosméticos. Desenvolveram um potente perfume que sobrepunha o cheiro da
catinga. Parecia um desses atuais aerossóis que quando são aplicados no
banheiro deixam a casa toda com um peculiar cheiro de “caca” perfumada. Foi um desastre,
pois a catinga ficou mais evidente. Desta forma a invenção foi rejeitada pelos
consumidores.
Outra ideia proposta pelos cientistas foi quanto ao
desenvolvimento de uma vacina que neutralizasse as células olfativas a
perceberem aquele odor. Não deu certo!
Houve também uma radical, vinda da parte dos pessimistas, que
era o de condicionar as pessoas a se acostumarem com aquele odor até que ao
longo de milhares de anos, sentissem com naturalidade o odor de “aquilo”.
Posteriormente foi desenvolvido um creme espesso, até parecia
uma película plástica sobre a pele, que sobrepunha a carimbada do “aquilo” e
impedia a propagação da catinga.
E não é que deu certo?
Uma maravilha!
Até os animais eram besuntados de creme.
O creme tinha um bom tempo de duração, porem as pessoas tinham
que reaplicar após o banho.
Essa questão trouxe uma significativa mudança nos hábitos de
higiene, pois ficar sem o creme durante o banho era de amargar e reaplica-lo
era de amargar também.
Foram então desenvolvidas máquinas caseiras e de grande porte
para aplicação coletiva.
As indústrias de cosméticos estavam ganhando rios de dinheiro.
Embora a solução ainda fosse paliativa, para alegria da
população a melhora da catinga foi significativa. Os resistentes ao uso eram
detidos e confinados até que aceitassem o uso. Assim foram criados grandes
centros de confinamentos e campanhas de adesão em prol da erradicação de
“aquilo” e seu terrível odor.
O tempo foi passando, pesquisas eram efetuadas até que veio um
produto que parecia ser a solução definitiva. Um modesto, porem eminente
cientista, prof. Salvatore Emergenti, funcionário de uma pequena universidade italiana,
descobriu que “aquilo” não era de origem terrestre mas que reagia de maneira
rápida e terrível com o DNA dos seres vivos terrestres. Assim ele conseguiu
desenvolver um produto que aplicado nas pessoas e objetos desfazia plenamente a
ação de “aquilo”, não só do odor, mas também de sua peculiar cor prata-luminosa.
O produto foi um sucesso, um frenesi.
A melhora era plena e estava em ritmo galopante.
Somente a partir daí é que começaram a perceber que havia
apenas uma cidade, que mesmo com a aplicação do salvador produto, “aquilo”
ainda persistia.
A cidade foi totalmente isolada e só podia sair daquele local
quem recebesse a aplicação do produto.
Pesquisadores foram para o local. Sabiam que estavam bem
próximo da descoberta de algo importante para a erradicação de “aquilo”.
O cerco foi se fechando até que chegaram no ponto crucial do
problema. O marco zero daquela cidade. O local que seria o princípio e o fim de
“aquilo”, onde a “caquinha celeste” escolheu cair e morar, para fazer toda
aquela “cacona terrestre”.
Aguardaram o anoitecer e tão logo o sol foi desaparecendo,
“aquilo” ia reluzindo com a sua cor prata-luminosa.
Momento vibrante para toda comunidade científica.
A ideia era primeiro observar e depois borrifar “aquilo” com o
produto criado, para extermina-lo de vez.
Foi dada a honra ao cientista que conseguiu desenvolver aquele
miraculoso produto, para olhar e examinar “aquilo” de perto.
Palmas e gritos de vivas foram feitas ao prof. Salvatore. Uma
saudação realmente de emocionar.
Ele pegou uma lupa e comentou com seus colegas:
- Come può qualcosa di così piccolo hanno fatto il danno
immenso?
Agachou-se, foi se aproximando e observando “aquilo”.
O silêncio sepulcral e o momento repletos de expectativas e
ansiedades.
Quando já estava muito próximo de “aquilo” ouviu-se um:
psiuuuu! Muito tímido, fraquinho, quase que inaudível.
Seria “Aquilo” um alienígena tentando uma comunicação com o prof.
Salvatore e não uma mancha maligna qualquer de cor prata-luminosa como se
imaginava?
Instintivamente e no afã de melhor ouvir, o professor levou o
ouvido bem próximo de “Aquilo”.
Todos que ali estavam ficaram muito perplexos com aquela nova
situação.
O prof. Salvatore ficou por volta de uns dez minutos somente a
escutar os cochichos de “Aquilo”. Ora balançava a cabeça como que concordando,
ora balançava a cabeça como reprovando, porem sem dizer uma única palavra.
Num determinado momento, para surpresa de todos e quebrando
aquele impactante silêncio, o prof. Salvatore deu uma imensa gargalhada e caiu
duro ao chão com a orelha bem sobre “Aquilo”.
Correram ao seu auxílio e ao levantar a sua cabeça uma
exclamação unânime de: “ooooohhhhhhh”, se ouviu daquela plateia quando
perceberam que “Aquilo” não estava mais no chão.
Teria “Aquilo” se alojado dentro do ouvido do pesquisador?
Teria sido “Aquilo” a “causa mortis” daquele pobre homem, mártir da ciência?
Somente passado o elemento surpresa, foi que os pesquisadores
se voltaram ao nobre colega. Por incrível que pareça e felicidade de todos, o
velhinho ainda vivia.
Gritos de ambulância, correria pra lá e pra cá, métodos de
respiração boca a boca, massagem cardíaca, e o danadinho chegou, em estado de
choque, mas chegou com vida até o hospital.
Os dias foram se passando e enquanto ele ia se recobrando do trauma,
uma junta médica estava à cata de “Aquilo”.
Equipes médicas faziam turno no ouvido do prof. Salvatore
procurando pelo paradeiro de “Aquilo”.
O que se concluiu é que nada ficou concluído pois “Aquilo”
continuava desaparecido.
O agora famoso e condecorado cientista foi melhorando até que
teve alta.
O único problema é que ele até este momento não consegue
lembrar-se de nada do que aconteceu naquele dia, e muito menos do que ouviu do
“Aquilo”.
A única certeza que se tem é que o prof. Salvatore Emergenti
se aposentou e vive feliz da vida num delicioso e elegante resort numa ilha paradisíaca no Caribe.
O que não se sabe é se quem vive no Caribe é realmente o
professor ou se é o “Aquilo”.